DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015



SINOPSE DA HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO 

DE ANGOLA


          III

 MOÇÂMEDES E SÁ DA BANDEIRA

A OCUPAÇÃO DO INTERIOR DE ANGOLA PELOS PORTUGUESES.

Em Angola, a presença portuguesa era antiga nas cidades costeiras, sobretudo em Luanda e Benguela, e em algumas regiões vizinhas. Dos grandes espaços interiores e das gentes que os habitavam, pouco se sabia.


A vila de Moçâmedes foi construída junto à praia, de acordo com um plano simples e geométrico. Quatro ruas paralelas entre si eram cortadas por travessas e formavam quarteirões regulares. Havia iluminação a petróleo. As casas, de um só piso, tinham quase todas quintal. 
A povoação teve origem num presídio para degredados. O clima era benigno e havia terras férteis. Existiam no Brasil nesse tempo, como noutros, portugueses na miséria. Viviam-se tempos de agitação social e a colónia lusitana de Pernambuco era hostilizada. O governo de Lisboa precisava de brancos em Angola e proporcionou-lhes meios de transporte.
A barca “Tentativa Feliz”, protegida pelo brigue “Douro”, fundeou em Moçâmedes, em agosto de 1849, trazendo 180 portugueses.
A instalação dos colonos processou-se com alguma dificuldade. Mesmo assim, como a crise social em Pernambuco se agudizava, em novembro de 1850 desembarcaram mais 107 emigrantes. Moçâmedes foi desenvolvida por gente de torna-viagem.  



Os que vieram do Brasil aproveitaram os terrenos de aluvião das margens dos rios Bero e Giraúl. Giraúl quer dizer “fim do caminho”. Eram terras férteis mas escassas. Não dispondo de mais espaços de cultura, desenvolveram o comércio e a pesca. A vila foi progredindo.
Alguns negociantes exportavam gado para longe. Não o criavam, porque não havia pastos na região. Recebiam-no dos negociantes que o compravam no interior.
    Em Luanda e Benguela, os descendentes dos escravos constituíam o grosso da população negra urbana. Desenraizados e esquecidos das antigas tradições, falavam um português modificado e vestiam à europeia. Em Moçâmedes, terra fundada após a abolição oficial da escravatura, eram poucos os filhos dos libertos.
Ali, chamavam funantes aos que andavam pelo mato a comerciar. Aquela gente ia a toda a parte. Deixava as cidades costeiras e subia as margens dos rios secos. Por vezes, fixava-se. Havia povoações espalhadas por uma grande área: Munhino, Curoca, Bibala, Bruco, Tchivinguiro, Humpata, Huíla, Chibia. Um grupo de pescadores algarvios tinha-se estabelecido em Porto Alexandre, a sul, na costa deserta.

                                              Bernardo de Sá, Marquês de Sá da Bandeira

Em 1836, Em Portugal, a vitória setembrista levou ao governo, entre outros, Passos Manuel e Bernardo de Sá Nogueira, visconde e mais tarde marquês de Sá da Bandeira. Foi o visconde quem assinou, em dezembro desse ano, o decreto que punha fim ao tráfico de escravos. Foi também o responsável pela elaboração de um projeto de desenvolvimento dos territórios coloniais. Pretendia-se que as colónias africanas abastecessem a “metrópole” com os seus produtos, em troca dos têxteis e dos vinhos portugueses. Cabia-lhes substituir o Brasil, que se tornara independente.
Entre 1870 e 1890 alguns países europeus deitaram olhares cobiçosos ao continente negro. Queriam garantir o fornecimento de matérias-primas e conseguir mercados para a produção industrial. Estas ambições iam contra os direitos que Portugal julgava seus, por prioridade nas descobertas.
Em 1877, o madeirense D. José da Câmara Leme era aspirante de marinha. Trabalhara em Luanda, Benguela e Moçâmedes. Sabia que as colónias de África eram invejadas por ingleses e alemães. Ou se povoavam, ou se ficava sem elas. 
Escreveu ao Governador-geral de Angola, Ferreira do Amaral, expondo-lhe as suas ideias. Os portugueses mais à mão eram os da ilha da Madeira. A população crescera e a terra não chegava para todos. Havia muita gente disposta a partir em busca de vida melhor.
Ferreira do Amaral apadrinhou o plano e apresentou-o ao governo de Lisboa. O ministro do Ultramar era quem podia decidir.
 A resposta à iniciativa do Condutor de Obras Públicas foi relativamente rápida. Câmara Leme foi nomeado Diretor da nova Colónia e, paralelamente, encarregado de construir dois troços de estrada para ligar o Lubango à Humpata e à carreteira que ia da Chela à Huíla. 
Em 1885, a Conferência de Berlim instituiu o princípio da ocupação efetiva dos territórios como fonte de soberania. Tocou em Lisboa a sineta de alarme. A emigração para África ganhou prioridade.
A bacia do Lubango situa-se a uma altitude de 1.800 metros e cobre uma área superior a 1.000 hectares. É rodeado por uma cadeia de serras que se abre apenas a leste. É por ali que entra o vento e sai o rio.

                      Ponta do Lubango, ou Ponta da Chela

Quem olha em volta, pela primeira vez, fixa os olhos no sul. A Ponta do Lubango interrompe bruscamente a serra do Mucoto e ganha para sempre espaço nos sonhos.
Há pequenos ribeiros que levam água todo o ano. Juntam-se no lugar da Machiqueira, ali bem perto, para formar o rio Caculovar, que vai desaguar no Cunene.


A caravana que transportava os emigrantes alcançou uma extensa colina no meio da bacia e fez alto. As carroças foram descarregadas. Na manhã seguinte, os bóeres voltaram com os carros, serra abaixo, para buscar a gente que ficara.
Os madeirenses deitaram logo mãos à obra. Os primeiros trabalhos foram coletivos. Na margem direita do rio Caculovar abriu-se uma clareira onde foram construídos dois grandes barracões de pau-a-pique, um para os homens e o outro para as mulheres e crianças. Edificaram-se, em acampamento separado, cubatas para instalar o diretor da Colónia, o médico, a secretaria provisória e a ambulância.


    A história que se segue é conhecida. Pelo menos, uma cidade em África nasceu do sonho de um europeu, neste caso, um ilhéu da Madeira, e foi desenhada, com régua e esquadro, nas secretarias de Lisboa.

Fonte: Os fragmentos deste texto foram retirados do romance "Os Colonos" (António Trabulo, Esfera do Caos, Lisboa, 2007) e reagrupados.