DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 6 de dezembro de 2009

SALAZAR E EU





António de Oliveira Salazar foi o único homem cuja morte festejei. Não me gabo disso. Ia nos 28 anos e não me libertara ainda de certa visão maniqueísta do mundo. Hoje, não celebraria a morte de ninguém.
Fiz uma festa, à noitinha, com o pessoal das máquinas, que era todo de Esquerda. Navegávamos a bordo do navio-hospital Gil Eannes, onde eu cumpria o serviço militar obrigatório.
Juntamente com o meu colega MBP, pressionámos o capelão para não rezar missa por Salazar. O padre era impressionável. Missa, tinha de haver, mas, durante a homilia, seguida por toda a frota bacalhoeira através dos altifalantes, o celebrante foi parco em elogios e parecia quase estar a pedir desculpa por rezar por aquela alma.
Muitos anos mais tarde, escrevi e publiquei O Diário de Salazar.
Os meus amigos de Esquerda acusaram-me de deriva direitista. Os meus poucos amigos de Direita lastimaram a ausência de encómios ao ditador.
Eu fiquei contente comigo, quando reli o livro.
Os homens públicos têm lado de dentro, e poucas coisas na vida são desenhadas em branco puro, ou em negro carregado. Balança quase tudo entre múltiplos tons de cinzento.
Salazar, de certo modo, inventou-se a si próprio, para poder liderar um Portugal desgastado pela insegurança dos últimos anos da Monarquia e de quase todos os da primeira República. Pôs habilmente de lado a questão do Regime e juntou os conservadores republicanos aos monárquicos. Estavam reunidas as condições para aparecer um Dom Sebastião sábio, seguro de si, incorruptível e alheio a dúvidas.
Governou ininterruptamente Portugal, de 1928 a 1968. Foi uma cadeira, e não uma revolução, quem o deitou abaixo.
Nenhum governo se aguenta tanto tempo sem ser apoiado pelas forças dominantes no País. Oliveira Salazar foi hábil em adivinhar tendências e em gerir equilíbrios.
Fernando Dacosta escreveu, no prefácio ao meu livro:
Salazar, um dos homens mais tristes, mais solitários que dirigiram o País, transformou o seu consulado no canto de cisne do seu gigantesco e secular império, soçobrado para sempre consigo.
O Portugal dele não existe mais, é uma ficção, um nevoeiro
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1 comentário:

  1. Curioso... também me «deu» para o Salazar; ainda que de um modo mais indirecto.
    De qualquer modo, e políticas à parte: fundamental para entender o presente em que estamos.

    Abraço.
    P. S. Ainda bem que aderiu ao «pássaro»... ;)

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